O sangue flui de modo contínuo e em uma única direção dentro das cavidades cardíacas, não produzindo nenhum barulho. O sopro cardíaco é um som que pode ser escutado quando há interferência neste fluxo, havendo turbulência do sangue dentro do coração. O sopro geralmente surge por problemas nas válvulas cardíacas, mas em crianças e em pessoas jovens saudáveis ele pode ser um achado inocente, sem nenhum significado clínico.
O sopro costuma ser identificado durante o exame físico médico, através da ausculta cardíaca com o estetoscópio.
Antes de falarmos do sopro cardíaco propriamente dito, precisamos dar uma passada rápida na anatomia e na fisiologia básica do coração. Para compreender termos como sopro sistólico, sopro de regurgitação ou sopro por insuficiência mitral, é preciso primeiro entender o que são as válvulas cardíacas e como o sangue normalmente flui entre as estruturas do coração. Leia com atenção as próximas linhas pois o seu entendimento é essencial para a compreensão do resto do texto. Utilizarei algumas figuras para ajudar.
Como funciona o coração?
O coração é dividido em 4 câmaras:
– Átrio (ou aurícula) esquerdo
– Átrio (ou aurícula) direito
– Ventrículo esquerdo
– Ventrículo direito
O sangue chega ao coração por 2 maneiras:
1- O sangue que chega à parte esquerda do coração vem dos pulmões, entra pelo átrio esquerdo, passa ao ventrículo esquerdo e depois é bombeado de volta ao corpo. Este sangue é representado pela cor vermelha na figura abaixo.
2- O sangue depois de passar por todo o corpo, retorna ao coração. Agora ele chega pelo átrio direito, passa para o ventrículo direito e é finalmente bombeado em direção aos pulmões, onde depois de oxigenado retorna ao coração pelo átrio esquerdo com explicado no item 1. Este sangue é representado pela cor azul na figura abaixo.
circulação cardíaca
O sangue não circula livremente dentro do coração. Existem 4 válvulas que servem de porta, abrindo-se e fechando-se de modo a impedir que o sangue retorne de uma cavidade para outra. Uma vez dentro dos ventrículos, o sangue já não retorna mais de volta para os átrios, e quando dentro das artérias, o sangue também já não mais retorna aos ventrículos. Graças as válvulas, o sangue flui somente em uma única direção: veia »» átrio »» ventrículo »» artéria.
Válvulas do coração direito:
– Válvula tricúspide – localiza-se entre o átrio direito e o ventrículo direito.
– Válvula pulmonar – localiza-se entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar
Válvulas do coração esquerdo:
– Válvula mitral – localiza-se entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo
– Válvula aórtica – localiza-se entre o ventrículo direito e a artéria aorta.
Válvulas cardíacas
Como é um sopro cardíaco?
Como todos já sabemos, quando auscultamos o coração com um estetoscópio é possível ouvi-lo batendo: “tum-tum…tum-tum…tum-tum…tum-tum”
Ouça os sons cardíacos normais:
http://www.dundee.ac.uk/medther/Cardiology/audio/normal.wav
Mas por que o coração faz dois sons de cada vez (“tum-tum…tum-tum…tum-tum”) em vez de apenas um (“tum…tum…tum”)?
Na verdade, ao contrário do que se pensa, esses sons não são pelo batimento do coração, mas sim pelo fechamento das suas válvulas. O primeiro “tum” é produzido pelo fechamento das válvulas mitral e tricúspide que impedem o retorno do sangue aos átrios enquanto os ventrículos se contraem. O segundo “tum” ocorre pelo fechamento das válvulas aórtica e pulmonar, impedindo que o sangue que já foi lançado em direção as artérias retorne aos ventrículos. Enquanto a mitral e a tricúspide estão fechadas, a aórtica e pulmonar estão abertas e vice-versa.
Esse “tum”, causado pelas válvulas, recebe o nome de bulha ou som cardíaco. Descrevemos o batimento cardíaco normal como bulhas em 2 tempos ou sons cardíacos em 2 tempos.
O sopro ocorre toda vez que há algum defeito nas válvulas, fazendo com que o sangue não flua de modo correto dentro do coração.
Existem 2 defeitos básicos:
– Estenose valvar = Quando a válvula se torna endurecida e não consegue mais se abrir completamente, o sangue acaba tendo dificuldade de passar de uma câmara para outra. Esse turbilhonamento produz o sopro. Se a válvula estenosada é a aórtica, chamamos de sopro por estenose aórtica. Se o defeito for na válvula tricúspide, sopro por estenose tricúspide, e assim por diante.
– Regurgitação ou insuficiência valvar: Quando a válvula não se fecha completamente, ela acaba permitindo refluxo do sangue na direção contrária. Esse tipo de fluxo retrógrado também produz turbilhonamento e, consequentemente, um sopro. Por isso, temos o sopro de insuficiência mitral, insuficiência aórtica, etc.
Enquanto a válvula normal produz um som do tipo “tum-tum”, as válvulas doentes e com sopro fazem algo tipo “tuuuush-tum” ou “tum-tuuuush”.
Ouça novamente o sons normais e compare abaixo com os sons de um sopro por regurgitação da válvula aórtica.
Som cardíaco normal (“tum-tum”)
http://www.dundee.ac.uk/medther/Cardiology/audio/normal.wav
Sopro por estenose da regurgitação da válvula aórtica. (“tuuush-tum”)
http://www.dundee.ac.uk/medther/Cardiology/audio/ar.wav
O que é sopro sistólico e sopro diastólico?
Sístole é o momento em que os ventrículos estão se contraindo, expulsando o sangue em direção as artérias. Diástole é o momento em que os ventrículos estão relaxados, se enchendo com o sangue vindo dos átrios.
Na sístole, as válvulas aórtica e pulmonar estão abertas e as mitral e tricúspide fechadas. Na diástole ocorre o oposto. Portanto, o primeiro “tum”, fechamento das válvulas mitral e tricúspide, ocorre na sístole. O segundo “tum”, pelo fechamento das válvulas aórtica e pulmonar, ocorre na diástole. Quando o sopro ocorre logo após o primeiro “tum”, ou seja “tuuush-tum”, denominamo-os sopro sistólico. Se o sopro ocorre após o segundo tum, ou seja, “tum-tuuush” estamos diante de um sopro diastólico.
– Os sopros sistólicos são causados por estenoses das válvulas aórtica ou pulmonar, ou por insuficiência das válvulas mitral ou tricúspide.
– Os sopros diastólicos ocorrem por estenoses das válvulas mitral ou tricúspide, ou por insuficiência das válvulas aórtica ou pulmonar.
Os sopros são graduados em I a VI.
– Sopro grau I – sopro muito discreto, inaudível para quem não tem ouvidos treinados.
– Sopro grau II – sopro médio, facilmente audível pelo estetoscópio.
– Sopro grau III – sopro alto.
– Sopro grau IV – sopro muito alto que pode ser sentido com mão ao se tocar no peito do paciente.
– Sopro grau V – sopro muito alto que pode ser escutado mesmo sem encostar o estetoscópio no peito do paciente.
– Sopro grau VI – sopro tão alto que poder ser escutado mesmo sem estetoscópio.
Quanto maior o grau do sopro, mais grave é a doença da válvula acometida.
Como saber se um sopro é benigno ou um sinal de doença do coração?
Até 50% das crianças sem problemas cardíacos podem apresentar sopro no coração. Em geral, o sopro desaparece espontaneamente com o crescimento. Ele ocorre, habitualmente, devido às desproporções entre os tamanhos das estruturas do coração e seus vasos. No adulto, o sopro também pode ser benigno, mas não é tão comum como nas crianças.
O sopro benigno é sempre sistólico e de baixa intensidade (grau I ou II). Sopros diastólicos ou de grau maior que III são sempre patológicos. O sopro benigno costuma ficar mais intenso quando o paciente se deita e desaparece, ou quase, quando o paciente se senta ou fica em pé.
Nas crianças, as doenças cardíacas que causam sopros são geralmente congênitas, ou seja, defeitos de nascimento, o que faz com que o sopro patológico costume vir acompanhado de sintomas como problemas no desenvolvimento, astenia, falta de apetite, cianose (lábios arroxeados), etc.
No adulto, as doenças das válvulas se desenvolvem ao longo do tempo. Se paciente tiver sintomas de insuficiência cardíaca, como falta de ar, edemas, cansaço fácil, dor no peito, etc., é fácil saber que o sopro cardíaco é indicativo de doença das válvulas do coração (leia: INSUFICIÊNCIA CARDÍACA – CAUSAS E SINTOMAS). O problema é que no adulto, o sopro pode ser o primeiro sinal de doença cardíaca, precedendo em anos o surgimento dos sintomas de falência do coração.
Algumas condições podem causar o aparecimento de um sopro cardíaco temporário, sem relação com doença das válvulas. Este sopro desaparece assim que sua causa é eliminada. São elas:
– Febre (leia: O QUE SIGNIFICA E POR QUE TEMOS FEBRE?).
– Anemia (leia: ANEMIA – CAUSAS E SINTOMAS).
– Hipertireoidismo (leia: HIPERTIREOIDISMO E DOENÇA DE GRAVES).
– Exercício físico.
– Gravidez.
Doenças que causam sopro cardíaco
O sopro patológico é aquele que ocorre secundariamente a uma doença do coração. Como já dito, nas crianças ele ocorre por doenças congênitas, enquanto que nos adultos ele surge após doenças cardíacas adquiridas durante a vida.
Nas crianças, além das lesões nas válvulas, o sopro cardíaco patológico também pode ocorrer por um defeito no septo que separa os ventrículos. Normalmente os ventrículos esquerdo e direito nunca se comunicam, mas defeitos durante a formação da parede entre ambos podem causar pequenos buracos que permitem a passagem de sangue ente um e outro. Este anormal fluxo de sangue também produz sopro.
Nos adultos, os sopros ocorrem por defeitos nas válvulas, sejam estenoses ou insuficiências. As principais causas de sopro cardíaco adquirido são:
– Prolapso da válvula mitral.
– Febre reumática.
– Endocardite infecciosa.
– Calcificação da válvula pela idade. Ocorrem mais comumente nas válvulas mitral e aórtica.
As lesões das válvulas cardíacas costumam levar à insuficiência cardíaca, porém, o inverso também pode ocorrer. Um coração insuficiente costuma estar dilatado fazendo com que os folhetos das válvulas se afastem, provocando regurgitação do fluxo sanguíneo. Por isso, todo doente com insuficiência cardíaca moderada a grave, por outras causas que não lesão das válvulas, também pode apresentar sopro no coração. A diferença é que neste caso, o sopro surge depois dos sintomas de insuficiência cardíaca já estarem presentes.
Diagnóstico do sopro cardíaco
Um bom médico consegue apenas através do exame físico estabelecer a causa do sopro cardíaco. Porém, nem todos os médicos são cardiologistas e nem sempre o sopro é de tão fácil avaliação.
O exame definitivo para avaliação dos sopros e, consequentemente, das válvulas do coração é o ecocardiograma com doppler. Este exame permite não só identificar o tipo de lesão nas válvulas, como medir o grau de estenose ou insuficiência e avaliar os danos ao coração em decorrência destas lesões.
Tratamento do sopro cardíaco
É bom lembrar que o sopro não é uma doença, mas sim um sinal de doença. O que preocupa não é o sopro em si, mas a doença que o está causando. Sopros causados por anemia ou febre, desaparecem após o tratamento destes.
No caso de lesão das válvulas, o tratamento é mais complexo. Se a lesão da válvula não acarreta maior esforço ao coração e não há sinais de insuficiência cardíaca, o tratamento é feito clinicamente. Nas situações mais graves, com importante lesão valvar, pode ser indicada a cirurgia para troca da válvula nativa defeituosa por uma válvula artificial.
Sopros benignos não precisam de nenhum tratamento.
Fonte: MD Saúde (http://www.mdsaude.com/2010/04/sopro-coracao-sopro-cardiaco.html#ixzz1B3CWB5vO)